quarta-feira, 5 de setembro de 2018

Um bispo especial para a Nova Jerusalém e Padre Caetano

Na história das congregações religiosas, o papel dos pastores, sobretudo dos Bispos, é decisivo e fundamental. Eles devem não somente apoiar, mas promover carismas e ministérios na Igreja, sobretudo onde os mesmos pastoreiam, é o que rege os cânones 574, 576 e 579 de nosso atual Código de Direito Canônico. 

Na história do Instituto Nova Jerusalém não foi diferente. Sob o olhar e cuidado de alguns pastores, pudemos identificar o chamado específico de Deus para nossa situação concreta. Queremos aqui destacar uma figura discreta e não muito conhecida, mas que teve forte influência  na decisão de nosso Pai Fundador por Fortaleza, onde é sediada nossa Casa Mãe. 

Trata-se de um Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Fortaleza no período em que Dom José de Medeiros Delgado (1905-1988) era o Bispo titular desta Igreja local, que nos pastoreou de 1963 a 1973. Foi um período de grande avivamento espiritual para a vida religiosa.


Dom Gerardo de Milleville
Mural da Cúria Metropolitana de Fortaleza
(Seminário da Prainha)

Dom Gérard Paul Louis Marie de Milleville, CSSp. 
Conhecido entre nós como Dom Gerardo


Nasceu aos 27 de maio de 1912 em Londinières, França. Entrou para a Congregação dos Missionários do Espírito Santo (Espiritanos) e foi ordenado diácono na Capela do Seminário das Missões, Paris, aos 02/07/1939 com a idade de 27 anos, sendo ordenado presbítero aos 26/08 daquele mesmo ano na Abadia de Langonnet, localizada na Diocese de Vanne, França. Foi nomeado vigário apostólico de Conakry, Guiné, e bispo titular de Dalisandus, Panfília, pelo Papa Pio XII aos 08/05/1955. Em 10/03/1962 renuncia ao encargo, pois em Guiné, após a supressão dos movimentos da Ação Católica em 1959, as escolas privatizadas são nacionalizadas em setembro de 1961, vindo ele a ser expulso do país em decorrência de vigorosos protestos. Foi, então, nomeado Arcebispo titular de Gabala, Síria, em 10/03/1962. Após isso, foi nomeado bispo auxiliar da Arquidiocese de Fortaleza de 1964 a 1974. Em 1968 foi nomeado administrador apostólico de Basse-Terre, nas Antilhas. Faleceu em Antony, Diocese de Nanterre, França, aos 12 de janeiro de 2007. Piedosamente descansou aos 94 anos como arcebispo emérito de Conakry. 

No período em que Dom Gerardo atuou em Fortaleza, Padre Caetano estava refletindo sobre a possibilidade de uma nova fundação de seu mosteiro belga de Orval, mas agora inserida no meio dos mais pobres, possivelmente na América Latina. Assim como a congregação de Dom Gerardo tinha um apreço e elo para com a África, o mosteiro Cisterciense de Orval foi refundado por monges franceses que estavam refugiados em Tremembé/ SP, Brasil, de 1904 a 1931, no que eles chamaram de "Trapa Maristela", a antiga Fazenda das Palmeiras, desativada desde 1888 com a promulgação da Lei Áurea.  

De agosto a dezembro de 1967, Padre Caetano é autorizado, juntamente com outro colega monge de Orval, Padre Norberto Gorrissen, a fazer um treinamento para essa experiência no Brasil, que aconteceu no recém fundado COPAL (Colégio para a América Latina), da Universidade belga de Louvaina. 
[O COPAL] Devia acolher seminaristas belgas, como também de países vizinhos ou mesmo latino-americanos, enviados por bispos, como Eugênio Salles e José Távora, bem relacionados com a JOC [Juventude Operária Católica] belga. (...) A pedido do Papa Pio XII, as dioceses belgas colocaram como Fidei Donum padres belgas à disposição dos bispos latino-americanos. Entre 1955 e 1983, partiram para o Brasil 115 padres, dos quais 67 belgas. (...) Em 1970, Helder Câmara, bem relacionado com o cardeal belga Suenens, recebeu em Louvaina um doutorado honoris causa, pregando um outro 'socialismo humano'. Seguiram mais doutorados para Paulo Freire em 1975, Oscar Romero em 1980, Aloísio Lorscheider em 1982 e Jon Sobrino em 1985.
Brasil e Bélgica: cinco séculos de conexões e interações / organização Eddy Stols, Luciana Pelaes Mascaro, Clodoaldo Bueno. – 1. ed. – São Paulo: Narrativa Um, 2014. p. 176-177.

Exatamente em 1967, Dom Eugênio Salles, então Arcebispo de Salvador/ BA, solicita ao Padre (hoje bispo emérito do Rio) Josef Romer, que se dirigisse à Universidade de Louvaina em busca de um professor de Bíblia para a Universidade Católica de Salvador. Os contatos do Brasil com Padre Caetano vão se fortalecendo. O Arcebispo de Fortaleza, Dom José Delgado, foi o ministro que sagrou bispo Dom Eugênio em 1954, seu grande amigo. Coincidência ou providência? 

Sabendo de Padre Caetano (Georges, no religioso), imediatamente Dom Gerardo o escreve:
Meu Reverendo Padre, 
Sou um bispo francês pertencente à congregação do Espírito Santo e depois de ter trabalhado 20 anos em Guiné, onde eu era arcebispo de Conakry, vim para Fortaleza, e o arcebispo me encarregou das congregações religiosas. Durante a última reunião dos bispos do Nordeste, ou seja, Ceará, Piauí e Maranhão, fui instruído a buscar uma congregação de vida contemplativa que poderia se instalar na região. O intuito dos bispos era ajudar os sacerdotes e eles pensam numa casa para os padres dedicada à oração e ao estudo, pode ser de grande ajuda no sentido de incentivar a reflexão e receber aqueles que precisam de orientação. 
O Padre Espinay [Salvador/ BA] veio aqui e eu falei a ele desse projeto. Ele me deu seu endereço e outras informações sobre você e outros sacerdotes de sua abadia. O objetivo desta carta é para dizer-lhe que nos interessa muito vos receber aqui. Eu vou fazer uma reunião com um padre francês e responsável da pastoral e em poucos dias vou escrever-lhe o resultado da reunião. Eu sempre pensei que precisávamos de contemplativos aqui e não há nenhuma ordem na região; e mais no Brasil alguns contemplativos são tentados a tomar paróquias.  
O Ceará é um estado privilegiado pelo recrutamento de clero; atualmente há uma crise, como em outros lugares, mas isto é onde podemos fazer os serviços mais amigáveis com a simpatia do clero brasileiro. Fui muito bem acolhido, embora eu não soubesse o português e já tivesse 51 anos! Tenho certeza que a região vos interessaria por sua experiência e desejo que a providência vos traga um dia ao Ceará.  
Em breve outra carta. Os melhores sentimentos em Cristo. 
+ G. de Milleville
MILLEVILLE, Dom Gérard de. [CARTA] Fortaleza, Brasil, 23 ago. 1967 [para] MINETTE de TILLESSE, Pe. Georges. Orval, Bélgica. [Tradução nossa].


Em resposta à carta de Dom Gerardo, Padre Caetano fica empolgado, e afirmou ver naquilo Un signe du Seigneur ("Um sinal do Senhor"), enquanto que haviam outras possibilidade de pastoral para o Padre no Brasil: Rio, São Paulo, Recife, Salvador, São Luís etc. Em 1968, após uma temporada de oito meses no Mosteiro de São Bento em Salvador, onde pôde lecionar na Universidade Católica e fazer pastoral com os pobres na Favela do "Pau Miúdo", ele e Padre Norberto decidem em 20 de novembro daquele ano trabalhar e morar em Fortaleza, precisamente numa das maiores favelas da América Latina à época, o grande e sofrido Pirambu (hoje Cristo Redentor). 

Inicialmente, os padres Caetano e Norberto não pensavam em assumir paróquia, visto que essa atividade é “estranha” ao estilo tradicional da vida monástica cisterciense. Eles planejavam inaugurar com o Arcebispo de Fortaleza um centro de reflexão e aprofundamento humano e cristão. Para isso, foi pensada a Reitoria São Judas Tadeu, localizada no Bairro São Gerardo. Mas acontece que, no mesmo dia que Padre Caetano chegou a Fortaleza (22/11/1968), ele foi informado que o bairro pobre do Pirambu estava sem padre desde a retirada de Padre Hélio Campos, ocorrida em julho daquele ano. Os dois monges refletiram e rezaram juntos, porque de outro lado, estava sua preferência pelos mais pobres que pretendiam realizar, vendo ali o apelo de Deus na hora exata. Apresentaram-se, então, ao Arcebispo e ao Padre Hélio no dia 07/12, instalando-se um dia depois numa casinha da Comunidade São José dos Arpoadores (hoje sede do Instituto Nova Jerusalém). 
LIMA, Narcélio Ferreira de. (Org.). Um Monge Missionário: Vida e Obra de Pe. Caetano Minette de Tillesse. Rio Bonito: Ed. Cenáculo Universal,  2016, p. 117.


O Espírito Santo o queria mesmo nas "Areias do Pirambu"... E graças a ação desse Espírito, com a colaboração de um missionário Espiritano, tivemos conosco nosso "Monge Missionário". 



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