sexta-feira, 14 de junho de 2019

Pode me chamar de Caetano!

Tradução de um texto francês datilografado pelo próprio Padre Caetano em Fortaleza. Indícios dos anos 1970. O texto entre colchetes são observações nossas. O texto original será anexo ao final da publicação completa.


O pequeno Gaëtan e sua mãe, a Baronesa Augusta de La Zangrye


Gaëtan Minette de Tillesse nasceu em 7 de junho de 1925 em Neder-Ockerzeel, perto de Bruxelas. Pouco tempo após seu nascimento [1926], sua família veio a se estabelecer em Bruxelas, onde ele viveu e cresceu no bairro Saint-Josse-ten-Node até a idade de 15 anos. Estudou até o 3º ano latino no Colégio Saint-Louis. 


A família Minette de Tillesse:
Os pais Augusta e Georges, a irmã Nadine, e Gaëtan em Bruxelas. Década de 1930?

Ele tinha 15 anos quando estourou a guerra. Sua família emigra de bicileta para Moëres, perto [do canal] de Furnes, onde se instalaram, sucessivamente, os Estados Maiores inglês e francês, numa grande confusão, vindo a perder o contato de uns com os outros. Em seguida, veio o reembarque dos ingleses que resistiram até o último limite da casa onde a família de Gaëtan estava refugiada para defender o canal de Furnes, distante a menos de 100 metros. O depósito de munição instalado nas dependências da casa foi incendiado, causando muita tensão aos 60 refugiados que estavam abrigados nas cavernas. No dia seguinte, os alemães estavam lá, e a família retorna à Bruxelas, contemplando novamente as últimas fumaças do prodigioso incêndio de Dunquerque. 


Casa da família Minette de Tillesse em Vliermaalroot (Cortessem)

Pouco tempo depois, sua família se instala em Limbourg [província], precisamente em Vliermaalroot, uma pequena aldeia onde a família possuía uma pequena propriedade. Ele continua os dois últimos anos de suas humanidades no colégio Saint-Hadelin em Visé, onde ele ia de bicicleta a cada semana, independentemente do clima.


O Soldado 7210 (Gaëtan) e sua mãe Augusta

Depois do desembarque dos aliados da Normandia, quando tinha 18 anos, se engaja à resistência e faz mais de 15 prisioneiros alemães durante a retirada. Engaja-se imediatamente como voluntário ao Comando e faz treinamento na Escócia. Teve a oportunidade de participar de algumas operações na Alemanha, de fevereiro a junho de 1945.


O noviço Irmão Marie-Georges (nome religioso de Gaëtan)

Desmontada a guerra em outubro de 1945, ele dá seu último adeus à família e entra no Mosteiro de Orval, onde viveu 22 anos de silêncio e austeridade da vida cisterciense. Estudou filosofia no mosteiro e começa a teologia. Foi em seguida enviado à Roma para a Universidade Gregoriana, a fim de obter a licença em teologia, e ao Pontifício Instituto Bíblico para adquirir a licenciatura em Sagrada Escritura. Foi em seguida professor de Bíblia durante 11 anos no Mosteiro de Orval. 


Irmão Marie-Georges (o segundo de pé, da esq. p/ dir.) e seus irmãos monges em Orval

Aqui começa uma nova história. Ele gostou imensamente da vida na Trapa [trapista], porque ele tinha sede de uma doação total de si mesmo e foi preenchido na Trapa. No entanto, depois de muitos anos, e em particular depois do Concílio, sentiu um imenso desejo de que esta maravilhosa vida trapista não fosse apenas privilégio de um círculo fechado, mas que ela deveria ser experiência de todo o povo. O Evangelho é para os pobres, não é privilégio de alguma classe ou de algum grupo particular. Por que se fechar entre os grandes muros medievais de um mosteiro para viver o Evangelho?


Padre Caetano em sua chegada ao Brasil (1968)

Ele pediu a seus superiores a autorização de empreender uma experiência monástica pioneira no meio dos pobres do Nordeste brasileiro. Passa primeiramente 8 meses em Salvador, ministrando curso de Sagrada Escritura na faculdade de teologia da Universidade de Salvador, e trabalhando ao mesmo tempo nos bairros mais pobres da cidade, Cabula, São Gonçalvo do Retiro, onde ele teve a ocasião de ter um contato profundo e fraterno com o pequeno povo pobre da favela.

Depois da invasão armada da polícia no mosteiro de São Bento, onde ele foi acolhido, teve a ocasião de conhecer um grupo de estudantes universitários com os quais organiza uma reunião semanal, e brevemente inicia com eles um trabalho de promoção do bairro pobre e abandonado da cidade: Pau Miúdo.

Ao final de 1968 [novembro], decide definitivamente sem escolha pela cidade de Fortaleza, capital do Estado do Ceará, no centro da seca. A cidade conta com mais de um milhão de habitantes. Ele pensou em instalar, com seu companheiro Norbert Gorrissen, da mesma abadia de Orval, um centro de reflexão e aprofundamento humano e cristão [a pedido de Dom José Delgado, então Arcebispo de Fortaleza]. Mas, durante sua chegada à Fortaleza, em 22 de novembro de 1968, soube no mesmo dia que o bairro pobre do Pirambu estava sem sacerdote. 

O Pirambu é uma favela popular e antigamente mal afamada da cidade, comportando 80.000 habitantes. O Bairro estava constituído por todas as pessoas deslocadas, fugindo da seca do interior do Estado e se refugiando à margem da cidade de Fortaleza, nas dunas abandonadas. As pequenas cabanas de argamassa se colam uma nas outras, formando um inextricável amalgamado de ruelas e impasses explorados, extorquindo os aluguéis exorbitantes para os barracos desintegrados no chão de terra batida. Todo este mundo definhando em promiscuidade de prostituição, de violência, de bebida, de crimes. Todos os dias, os jornais da cidade relatam algumas extorções cometidas no Pirambú e duas vezes por semana, por mês, recontam os crimes, mortes de homens, mulheres e crianças que estavam perpetrados nesse lugar, onde nenhuma pessoa civilizada se aventurava a pôr os pés.




Continua a edição... Aguarde!






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