segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

Padre Caetano nos veio em silêncio e nos deixou em silêncio

Entrevista com Ir. Narcélio sobre os últimos minutos do Padre Caetano




1.  Antes da enfermidade o que padre Caetano mais pedia?

Pedia sempre que nos aprofundássemos no estudo das Sagradas Escrituras, que fôssemos fiéis à nossa consagração, que não tivéssemos medo... – isso era sempre tema de homilia nas nossas missas conventuais. – Bem antes de falecer ele foi deixando tudo em ordem. O demais ele partilhava com os superiores.

2. Como foi para você acompanhar toda essa enfermidade?

Foi um momento de purificação! Doloroso, de fato, mas de paciência e necessariamente de confirmação da minha vocação e, com certeza, de todos os irmãos e irmãs. Foi algo novo, pois nunca havia cuidado de idoso nesse estado, eu o via como criança naqueles momentos, dependente de nossos cuidados. Foi uma aventura que jamais esquecerei, eu me entristecia apenas pelo fato de não ter podido ouvi-lo mais e ter convivido mais com ele, porém, feliz por ter compartilhado esses seus últimos dias. O que mais me surpreendia era sua fortaleza, era divinamente sobrenatural. Somente exprimia um pequeno “ai” quando cuidávamos de suas feridas ou quando, de duas em duas horas, o deslocávamos de posição devido à circulação sanguínea.

3. Tinha alguém a quem mais ele obedecia, escutava na casa?

Durante a sua enfermidade ele costumava ouvir mais os mais velhos, quanto a nós, mais jovens e recém-chegados, costumava apenas observar e dizer, quando queria fazer algo: “Ajuda aqui filinho(a)!”, era a frase que ele mais falava.

4. Como foi a aceitação de fazer o tratamento, ele resistiu muito?

Tudo lhe foi comunicado, ele estava a par de tudo o que acontecia no Instituto e na Paróquia: eleição do novo superior, festa dos padroeiros, homenagens, inclusive as suas internações e operação; ele nada dizia... Já que também com um tempo foi deixando de conseguir falar, porém, segundo o médico que o acompanhava, Dr. Sílvio Frota, ele estava ciente de tudo. Seu silêncio parecia-me uma forma comprovada de dizer, literalmente: “Se tem que ser feito”... De início e de uma forma surpreendente, ele bem correspondia aos medicamentos e tratamentos, somente bem antes de sua morte que foi se agravando o estado físico.

5. Que palavras lhe marcam até hoje?

“Eu amo vocês”, “vocês são fundadores de ordem”, “É Deus quem chama. (...) Nem a morte pode destruir a nossa consagração”... Ele era todo assim: de Deus... Palavra nos lábios, porém sua vida, suas atitudes, falavam mais alto.

6. Que ambiente lhe faz lembrar de maneira mais forte o Pe. Caetano?

Na verdade, “ambientes”, pois todo lugar o faz recordar: a Capela do mosteiro, o dois quartos: o que ele morou e principalmente o que ele ficou durante seu tratamento; a biblioteca, o lado de fora da capela onde tomava banho de sol e gostava de rezar olhando pro mar, a igreja Matriz, o Pirambu... Não consigo responder apenas um lugar.

7. Nesta pergunta quero citar uma passagem bíblica. Em Gênesis fala “houve uma tarde e uma manhã e um dia seguinte surge”. Como foi à tarde do dia 31 para a manhã do dia 01?

Na UTI só podia permanecer uma pessoa com o Padre. Como já existia uma pessoa ajudando a cuidar dele, o Francisco, e uma escala mensal entre os irmãos da Nova Jerusalém, então quem iria era o Francisco sem a necessidade de um irmão “dormir” na UTI, porém, ele pediu para trocar comigo, pois precisou sair. A Irmã Juliana foi quem me comunicou minha ida. O Irmão Marcelo já havia passado a tarde com o Padre. À noite, o Irmão Jackson foi me deixar com a Irmã Juliana para pegar o Irmão Marcelo para que ele fosse à missa na Matriz. 


Quando chegamos, o Irmão Marcelo comentou só com a gente: “Não consigo mais ver o Padre Caetano assim...”. O Luciano, um de seus filhos [adotivos], esteve uma hora com ele. Notamos que ele já respirava com muita dificuldade. (...) 

Antes da meia noite, muito dos irmãos e irmãs me ligaram pra nos desejar Feliz Ano Novo. À meia noite, fui ao banheiro para rezar, pois as enfermeiras entravam e saíam. Agradeci a Deus por mais um ano e pedi perdão pelas nossas falhas. Quando voltei, peguei em sua cabeça e lhe disse chorando: - “Pe. Caetano, nós amamos muito o senhor. O Pirambu te ama... Perdão por não cuidarmos melhor do senhor e pelas falhas que cometemos. Reza pela minha conversão”. Beijei-o e cobri-me com o cobertor, pois me tremia muito de frio. Durante a noite, ele tossia com dificuldade... Meus olhos pesavam muito. De vez em quando eu ia até ele pra ver como estava. Era umas 03h15min do dia 1º de janeiro, uma sexta-feira a qual jamais me esquecerei. Sem menos avisar ele já estava gozando da visão beatífica. Até hoje me pergunto como isso aconteceu. Olhei pro seu rosto e estava pálido, "peguei" em seu coração e não o senti bater. Chamava seu nome, mas nada respondia. Chamei a enfermeira e ela chamou o médico plantonista com a máquina de ressuscitação... trabalho vão, até ela chorava dizendo: “Ai, meu Deus, o Padre tá falecendo!”. O médico me pediu pra ir pra fora. 

Espiritualmente eu estava bem, a minha preocupação era de passar a notícia... Parece que eu estava vendo aquela multidão chorando na igreja, o sino badalando... Eu ligava pra todos, mas ninguém atendia, aí nessa hora o meu desespero aumentou, comecei a chorar bem alto dentro daquela clínica sozinho... Até que a Ir. Juliana me retorna. Também não sei como encontrei força pra lhe passar a notícia. Calmamente eu disse: - “Irmã, bom dia, tudo bem? Olha eu tenho uma notícia não muito boa pra dar pra senhora”. Ela respondeu que eu podia dizer, então eu disse: - “O Pe. Caetano faleceu e eu tô quase passando mal”. Ela pediu pra mim rezar e se acalmar, pois todos já estavam esperando a notícia (o próprio Dr. Sílvio foi bem sincero conosco ao afirmar que, dessa vez o Padre só voltaria pra casa através de um milagre, mas Nosso Senhor não quis aumentar suas dores). Então os irmãos chegaram com o Pe. Helton e foram agilizando os procedimentos funerais. (...) 

Tem uma cena que não me esqueço: como a notícia se espalhou rapidamente... Acompanhamos o carro da funerária e quando esse chegou à altura entre a Marinha e a Av. Dr. Theberge, umas pessoas acenavam em direção ao carro se despedindo do Padre e outras até se benziam com o sinal da cruz. TEMOS MAIS UM SANTO!

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REVISTA CATÓLICA GÊNESIS: Padre Caetano nos veio em silêncio e nos deixou em silêncio. Fortaleza, jan. 2010.

Observação: texto em tom coloquial.

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